segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A CONTRATAÇÃO SEM LICITAÇÃO DE SUBSIDIÁRIAS E CONTROLADAS E A JURISPRUDÊNCIA DO TCU

1. Introdução


A Lei 8.666/93 estabelece, no art. 24, inc. XXIII, hipótese de dispensa de licitação no caso de contratação "realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas". Nos termos da referida norma, a contratação direta destina-se à "aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços" e está condicionada à circunstância de o preço contratado ser compatível com o praticado no mercado.
Recentemente, foi editada pelo Tribunal de Contas da União - TCU a Súmula nº 265, que trata justamente do referido caso de contratação direta. O exame do conteúdo da referida súmula é relevante para delimitar a hipótese de dispensa prevista no dispositivo legal.
2. O teor da Súmula nº 265 do TCU
Conforme a Súmula aprovada pelo TCU, "A contratação de subsidiárias e controladas com fulcro no art. 24, inciso XXIII, da Lei nº 8.666/93 somente é admitida nas hipóteses em que houver, simultaneamente, compatibilidade com os preços de mercado e pertinência entre o serviço a ser prestado ou os bens a serem alienados ou adquiridos e o objeto social das mencionadas entidades" (DOU 17.6.2011, p. 143).
A súmula reflete o entendimento adotado pelo TCU em diversos precedentes. Dentre estes, podem ser citados o Acórdão 3219/2010-Plenário (DOU de 14.12.2010), o Acórdão 2635/2010-Plenário (DOU de 11.12.2007), o Acórdão 2436/2007-Segunda Câmara (DOU de 13.09.2007), o Acórdão 1705/2007-Plenário (DOU de 29.08.2007), o Acórdão 0267/2007-Plenário (DOU de 09.03.2007), o Acórdão 127/2007-Segunda Câmara (DOU de 15.02.2007), o Acórdão 2254/2005-Plenário (DOU de 03.01.2006) e a Decisão 645/2002-Plenário (DOU de 08.07.2002).
A amplitude temporal dos precedentes referidos na edição da súmula demonstra que a questão era há muito pacífica no âmbito do TCU. De qualquer modo, a recente edição da súmula permite algumas reflexões a respeito da regra legal interpretada pelo Tribunal de Contas.
3. O exame do conteúdo da Súmula


Mesmo o exame superficial da Súmula permite verificar que, além do requisito de que os preços dos serviços ou produtos objeto da contratação direta sejam compatíveis com os praticados no mercado, deve haver também pertinência dos serviços e produtos com o objeto social da sociedade subsidiária e controlada.
Trata-se de requisito que já era objeto de ressalvas por parte de MARÇAL JUSTEN FILHO, que aponta que "Ademais disso, tem de aplicar-se a propósito do inc. XXIV as mesmas exigências de pertinência invocadas a propósito do inc. XIII. Não se pode admitir que a exigência de licitação seja frustrada por meio do expediente de valer-se de entidades intermediadoras. Por exemplo, não se admite que uma sociedade controlada, cujo objeto é o desempenho de atividade industrial, seja contratada sem licitação para fornecer mão-de-obra em favor da sua controladora" (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed., 2010, p. 344).
Note-se que a Súmula retrata entendimento do TCU no sentido de que os requisitos devem estar presentes de forma simultânea. Ou seja, além da economicidade na contratação a ser feita pela sociedade de economia mista ou empresa pública junto a sua subsidiária ou controlada, é essencial que esta última tenha objeto social compatível com o produto ou serviço a ser fornecido.
Tal entendimento reconhece o potencial para burlar o dever de licitação derivado da aplicação indiscriminada da regra. A vedação a que a empresa subsidiária ou controlada possa ser contratada para fornecer produtos e serviços alheios ao seu objeto social busca evitar que as sociedades de economia mista ou empresas públicas passem a prover todas as suas necessidades mediante contratação direta de empresas subsidiárias ou controladas.
A exigência de que a contratação sem licitação tenha relação de pertinência direta com a atividade da entidade subsidiária ou controlada pode ser examinada sob três ângulos diversos.
Primeiro, não basta qualquer participação de sociedade de economia mista ou empresa pública em determinada entidade para que ela possa ser considerada subsidiária. Imagine-se a hipótese de determinada sociedade de economia mista deter participação acionária mínima ou irrelevante em determinada sociedade. É evidente que, nesses casos (e ressalvando-se hipóteses excepcionais, em que haja algum tipo de acordo de acionistas ou partilha peculiar do controle societário) não se pode considerar que a referida sociedade seja efetivamente uma entidade subsidiária da sociedade de economia mista. A rigor, não cabe a aplicação da regra de dispensa de licitação prevista no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93.
Em outras palavras, a regra não pode ser utilizada para se burlar a exigência de licitação.
Em segundo lugar, conforme decidido pelo TCU no Acórdão 2436/2007 - Segunda Câmara, "Somente controladoras podem contratar diretamente suas controladas ou subsidiárias com base no inciso XXIII da Lei nº 8.666/1993, não sendo possível a contratação de uma subsidiária ou controlada por outra".
Enfim, não há como haver dispensa de licitação entre empresas subsidiárias, mas apenas entre estas e sua controladora.
Em terceiro lugar, no caso da dispensa prevista no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93, não cabe a subcontratação por parte da subsidiária do objeto contratado sem licitação. Não é cabível que o objeto contratado seja integral ou significativamente (sub)contratado pela subsidiária ou controlada junto a terceiros. Nesse caso, haveria evidente violação do dever de realizar o processo licitatório, por meio da inclusão de entidade subsidiária ou controlada como intermediária.
Nos precedentes que embasaram a edição da Súmula nº 265, a questão foi expressamente enfrentada. No Acórdão 1705/2007 - Plenário, indicou-se que "a jurisprudência deste Tribunal já se firmou no sentido de ser indevida a subcontratação da execução do objeto nos casos de dispensa de licitação em que a identidade do contratado é a razão que fundamenta sua escolha para celebrar o contrato. As seguintes deliberações exemplificam esse entendimento: Decisão 881/97-Plenário, Acórdão 14/2002-Plenário, Acórdão 19/2002-Plenário, Acórdão 627/2002-Plenário, Acórdão 392/2003 - Plenário, Acórdão 839/2004-Plenário, Acórdão 869/2006-Plenário, Acórdão 994/2006-Plenário". Reconheceu-se que "No caso da contratação direta prevista no art. 24, inciso XXIII, da Lei 8.666/93, é justamente a condição de subsidiaria ou controlada de empresa pública ou sociedade de economia mista que autoriza a dispensa do procedimento licitatório. Ou seja, é a identidade do contratado que motiva sua escolha para celebrar o contrato com a Administração sem o procedimento licitatório. Portanto, não é cabível que a entidade escolhida efetue a subcontratação da execução do objeto com terceiros".
Mais recentemente, o TCU reafirmou esse entendimento, indicando que "a hipótese de subcontratação prescrita no art. 72 da Lei nº 8.666/93 não se aplica aos casos de contrato por dispensa de licitação firmado em função da pessoa do contratado (...), exceto em situações concretas excepcionalíssimas, supervenientes ao contrato, nas hipóteses em que a rescisão contratual e a realização de nova contratação forem comprovadamente contrárias ao interesse público subjacente ao contrato, ante o disposto no item 8.2.5 da Decisão nº 645/2002-TCU-Plenário" (Acórdão 3219/2010 - Plenário).
Por fim, ressalte-se que aferição concreta da presença de ambos os requisitos para a contratação direta com fundamento no art. 24, inc. XXIII, da Lei nº 8.666/93 deve ser feita em processo administrativo específico, na forma estabelecida pelo art. 26.
4. Considerações finais

Portanto, o entendimento retratado pela Súmula nº 265 do TCU não trouxe grandes inovações a respeito da interpretação e aplicação do contido no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93. Como visto, os requisitos por ela explicitados para esse tipo de contratação vêm sendo reafirmados pelo TCU há muitos anos.
Em qualquer caso, a sua consagração por meio de súmula específica é apta a fornecer orientação mais segura na atuação de empresas estatais, especialmente no relacionamento com suas empresas subsidiárias e controladas, na medida em que consagra de forma expressa o que vinha sendo afirmado de forma esparsa em diversas decisões ao longo do tempo.



Informação bibliográfica do texto:


CARDOSO, André Guskow. A contratação sem licitação de subsidiárias e controladas e a jurisprudência do TCU. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 53, jul./2011, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=53&artigo=550, acesso em 01/08/2011.

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