sexta-feira, 26 de março de 2010

O STJ e a responsabilidade tributária do sócio

Por Bianca Delgado Pinheiro
Trata-se a responsabilidade tributária do deslocamento da sujeição passiva do contribuinte para outrem (responsável tributário). A responsabilidade tributária por transferência ocorre após o fato gerador da obrigação tributária, ou seja, a lei diz que o sujeito passivo é o contribuinte, mas por razões supervenientes ao fato gerador, a responsabilidade é deslocada para o responsável, no caso em análise, para o sócio gerente, diretor ou administrador da sociedade, nos termos do artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN).
Destaque-se, de pronto, que tal responsabilidade pessoal dos sócios em relação às obrigações tributárias porventura inadimplidas pela sociedade somente se justifica nas exaustivas hipóteses do artigo 135 do CTN, quais sejam, ocorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
Não é demais ressaltar que o STJ já decidiu que o “simples inadimplemento não caracteriza infração legal”.
Corriqueiramente, são ajuizadas execuções fiscais, incluindo-se, aleatoriamente, os sócios no pólo passivo, ao não se localizar bens da sociedade passíveis de penhora. Em defesa, os sócios tidos como coobrigados das dívidas fiscais das empresas, manifestam-se no processo, mediante a chamada exceção de pré-executividade, que prescinde de garantia em juízo e prova, evidenciando que não há no processo a prova da ocorrência de qualquer fraude, a ensejar a sua responsabilidade tributária.
Ocorre que, recentemente, o STJ firmou o entendimento de que o ônus da prova na comprovação da responsabilidade de sócio cujo nome não consta da CDA é do exequente/Fazenda. Mas, de outra feita, surpreendentemente, cabe ao executado/sócio a prova de sua ilegitimidade passiva, quanto seu nome constar da Certidão de Dívida Ativa (CDA), em face da presunção de liquidez, certeza e exigibilidade deste título. Tal entendimento deverá ser aplicado a todos os processos em andamento em que se discute o mesmo tema.
Com fundamento absolutamente simplista, o STJ acabou por impedir, em muitos casos, a defesa do sócio, sem prévia garantia do crédito tributário. Ou seja, ainda que seja evidentemente ilegítimo para figurar o pólo passivo da execução fiscal, dada a inexistência de causa para a sua responsabilidade tributária, terá o sócio que oferecer bens ou dinheiro suficiente à garantia da dívida fiscal, para possibilitar a sua defesa em Embargos do Devedor, e, assim, tentar se ver livre de execução instaurada contra o mesmo de forma absolutamente irregular e ilegal.
Além do mais, terá que produzir prova de cunho negativo, ou seja, prova de que não agiu com fraude ou dolo, inexistindo sequer qualquer procedimento da Fazenda para tal constatação.
A Procuradora da Fazenda Nacional, confortável com tal posicionamento do STJ, editou a
Portaria 180, publicada em 25 de fevereiro de 2010, com orientações aos procuradores fazendários quanto aos procedimentos a serem seguidos por estes para a responsabilização dos sócios da empresa com dívida fiscal.
Ainda que conste no artigo 2º da dita portaria interna que a inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá quando da ocorrência de excesso de poderes, infração à lei, infração ao contrato social ou estatuto ou dissolução irregular da pessoa jurídica, foi admitida tal constatação por mera declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Ora, a inclusão do sócio na CDA, para fins de responsabilidade tributária, somente poderá ocorrer após competente processo administrativo em que seja comprovada a existência de infração à lei, contrato ou estatuto social. Simples declaração da RFB ou da PGFN não é o bastante para tanto, configura-se, na realidade, absoluta arbitrariedade e amplo poder discricionário, não permitido nesse caso.
Diante do exposto, é certo que o entendimento do STJ, ao invés de solucionar antigo entrave judicial, decorrente de arbitrariedades da Fazenda Pública e de sua Procuradoria, acabou por criar novas discussões, na defesa ao respeito à legalidade na atribuição da responsabilidade tributária dos sócios em executivos fiscais, representando, nada mais, do que a aceitação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, sem a existência das condições para tanto.
E, além de notórios procedimentos burocráticos que retardam ou impedem a constituição de sociedades geradoras de recursos, a responsabilidade pessoal dos sócios pelas obrigações tributárias da empresa, da forma como vem sendo empregada, certamente, será forte desestímulo ao empreendedor brasileiro.

terça-feira, 16 de março de 2010

Royalties da discórdia.

Discussão deve desaguar no Supremo, diz Ives Gandra

A redistribuição para todo o país de royalties vindos da exploração do petróleo, aprovada pela Câmara dos Deputados, promete ainda muita polêmica, aponta reportagem da Agência Brasil. O tributarista Ives Gandra da Silva Martins aposta que, qualquer que seja o caminho adotado para mudar a forma atual de distribuição, a discussão necessariamente vai desaguar no Supremo Tribunal Federal.
Apesar de concordar com a distribuição de royalties para todo o país, Gandra considera que a Emenda Ibsen, como ficou conhecida, que prevê a distribuição dos royalties para todos os estados e municípios brasileiros utilizando o critério do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE), fere a Constituição.
“Pessoalmente, considero a medida justa, mas ela é inconstitucional. Eu tenho a sensação que riquezas nacionais deveriam ser divididas por todo o país. Mas a Constituição declara no artigo 20, claramente, que a riqueza pertence aos municípios onde as riquezas vão ser exploradas e, por essa razão, só por uma emenda constitucional [PEC] poderia se alterar isso. Da forma como foi colocada, por meio de legislação, não por uma PEC, tenho a impressão que o presidente vai vetar por ser inconstitucional. Fere o artigo 20 da Constituição”, explicou.
A nova redistribuição retira recursos dos principais produtores de petróleo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, em favor dos demais estados e municípios. A proposta, aprovada na Câmara na última quarta-feira (10/3) por 369 a 72, com duas abstenções, abrange a distribuição dos royalties do petróleo em todo país, incluindo a extração da camada pré-sal.
A emenda prevê que os royalties sejam divididos entre estados e municípios, metade para cada, seguindo ainda as porcentagens de divisão dos fundos de participação dos estados e dos municípios (FPE e FPM). A receita do Espírito Santo, por exemplo, passaria de pouco mais de R$ 313 milhões, obtida em 2009, para R$ 157 milhões. A do Rio de Janeiro cairia de R$ 4,9 bilhões para R$ 159 milhões.
Ainda que seja por meio de uma PEC, o tributarista Ives Gandra acredita que a questão terá que ser decidida pelo Supremo porque toca no chamado pacto federativo. “Muitos alegarão que isso fere o pacto federativo. Como no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição a Federação é intocável, muitos alegarão que haverá um ferimento, uma mácula na Constituição. Haverá um questionamento dos que defendem a impossibilidade de mudança de quaisquer dos fundamentos da atual Federação”, explicou o tributarista.
O ponto de questionamento, para Gandra, será a autonomia financeira dos municípios produtores. O pacto federativo garante a todos os entes federados a chamada tríplice autonomia, ou seja, autonomia política, financeira e administrativa. "Os municípios produtores vão alegar que houve uma redução da sua autonomia financeira com a mudança”, aposta.
“Eu, particularmente, entendo que o que a Constituição proíbe é que se elimine o pacto federativo, que se elimine a Federação, e não que ela [a Federação] não possa ganhar perfil diferente de acordo com a própria mudança, com os desafios do século, com as necessidades de readaptação do país a essa economia centralizada, globalizada e, ao mesmo tempo, as reformulações conceituais que representam hoje o conceito de soberania, com formação de blocos regionais”, opinou.