quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Prestações de Refis pode levar contribuinte à Justiça.

Por Luiz Ricardo de Azeredo Sá

As consolidações dos parcelamentos da Lei 11.941/2009 relativos a saldos de débitos que anteriormente estavam ou estiveram em outros parcelamentos, como Refis, Paes, Paex e Parcelamentos Ordinários, têm gerado prestações que em muitos casos superam bastante as prestações corretas.

Os motivos?

Relativamente a débitos que estiveram anteriormente em mais de um parcelamento, a Receita Federal do Brasil, no momento em que calcula a parcela mínima prevista no artigo 3º, parágrafo 1º, inciso I, não tem respeitado a regra inscrita no artigo 3º, parágrafo 1º, inciso V, da mesma lei, que prescreve que “na hipótese em que os débitos do contribuinte tenham sido objeto de reparcelamento na forma do Refis, do Paes ou do Paex, para a aplicação das regras previstas nesta Lei será levado em conta o primeiro desses parcelamentos em que os débitos tenham sido incluídos”, já que adota como base para incidência do percentual de 85% da prestação mínima, aquela que foi ou estava sendo paga no último parcelamento, quando deveria adotar a do primeiro.

Essa ocorrência tem se verificado, por exemplo, com débitos que estiveram no Refis e que antes de migrarem para os novos parcelamentos da Lei 11.941, de 2009, passaram pelo Paes. Se aplicada a regra antes mencionada, não haveria parcela mínima, pois tendo ingressado no Paes o contribuinte já não mais estava no Refis pelo menos desde junho de 2003. A RFB, todavia, aplica a trava e calcula a parcela mínima levando em consideração a parcela devida no segundo parcelamento no mês de novembro de 2008.

Já no que pertine a débitos que migraram do Paes, em situações em que o contribuinte estava a discutir a consolidação do Paes e o valor da parcela então cobrada, e que por força de ordem judicial vinha pagando prestações calculadas com base em percentual incidente sobre a receita bruta, o erro decorre do fato de a RFB estar a considerar como parcela mínima não os 85% daquela parcela que por força de ordem judicial o contribuinte vinha pagando, mas sim 85% daquela parcela cobrada com base na consolidação que era discutida judicialmente.

O desrespeito por parte da RFB às regras para calcular a prestação mínima destes parcelamentos produz distorções bastante grandes que em muitos casos inviabilizam o próprio pagamento da parcela e geram, portanto, a rescisão do parcelamento. Noutros casos, considerando que a prestação mínima é um limitador do período máximo do parcelamento, se tem situações em que uma dívida que poderia por força da lei ser paga em 180 meses está sendo ilegalmente limitada pela RFB a menos de 40 meses.

A via judicial, por isso, parece ser o único caminho para que os contribuintes busquem, através de medidas liminares, assegurarem o direito de adimplirem os seus parcelamentos mediante o pagamento de prestações em valores corretos, afastando a trava representada pela parcela ilegalmente calculada pela RFB.
Por Maria Augusta Paim

A Receita Federal está cobrando da Petrobras R$ 4,6 bilhões, correspondentes ao não pagamento de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos auferidos no país por residentes ou domiciliados no exterior, com o aluguel de plataformas marítimas, no período de 1999 a 2002. Nos termos da Lei 9.481, de 13 de agosto de 1997, a isenção de IR somente é concedida para o aluguel de embarcações marítimas. Contudo, a Receita Federal entende que, por terem como atividade principal a exploração petrolífera, desenvolvida enquanto estacionadas sobre um determinado ponto do mar, as plataformas marítimas não se enquadrariam na categoria de embarcação, que se limitaria ao transporte de pessoas e cargas.

A decisão da Receita Federal consegue, ao mesmo tempo, desrespeitar a distinção conceitual entre embarcação e navio, e aplicar equivocadamente o teste da função principal para a classificação de embarcações como navios.

Apesar das frequentes imprecisões no uso dos conceitos de embarcação e navio como sinônimos, tais conceitos não se confundem, eis que: (i) o navio é uma espécie do gênero embarcação; (ii) o gênero embarcação compreende vários engenhos navais que se locomovem ou flutuam sobre as águas; e (ii) a espécie navio está limitada às embarcações que sejam usadas na navegação, isto é, embarcações que transportam mercadorias ou pessoas sobre águas navegáveis, para determinado destino.

Verifica-se que o conceito de embarcação é amplo o suficiente para abranger as inovações impostas pelo constante processo tecnológico, como é o caso das plataformas marítimas que são construções navais que permitem o alcance de reservas do fundo do mar, usadas em operações de exploração (perfuração de poços para a avaliação da vantagem econômica da produção) e de produção (perfuração de poços para a extração do petróleo). Ambos os tipos de plataformas marítimas, usadas na exploração ou na produção de petróleo no mar, têm necessariamente a capacidade de se locomoverem para alcançar o poço e de flutuarem sobre o poço durante o desempenho de suas atividades, e, portanto, são sempre embarcações que, ademais, podem ser classificadas como navios nos casos das plataformas marítimas usadas em operações de exploração.

Como a isenção fiscal é concedida a embarcações de modo geral e não apenas a navios, a Receita Federal não poderia ter aplicado o teste da função principal para afastar a qualificação das plataformas marítimas como embarcações, eis que o referido teste somente teria relevância para fins do conceito de navio, e não de embarcação.

De acordo com o teste da função principal, sempre que surgir a questão de se qualificar uma estrutura como navio, as cortes devem buscar a intensidade em que a navegação é desenvolvida. Mesmo se for escassa ou auxiliar em relação à função principal, a estrutura ainda assim pode ser considerada um navio. A única exceção seria nas hipóteses de navegação mínima ou inexistente. Ressalte-se que a aplicação de tal teste pelo direito inglês no caso Clark (Inspector of Taxes) v. Perks ([2001] 2 L. Rep. 431) teve como resultado as plataformas marítimas móveis usadas na exploração de petróleo serem consideradas navios. Isto é, o fato de a função principal de tais tipos de plataformas marítimas ser a exploração de recursos no fundo do mar, atividade desempenhada em posição estática, não foi suficiente para afastá-las do conceito de navio porque durante a atividade de exploração as plataformas navegavam para ir de um local de perfuração a outro.

Espera-se que a Petrobras obtenha êxito nas medidas judiciais propostas contra a cobrança indevida da Receita Federal, promovendo-se a segurança jurídica com a aplicação do regime jurídico das embarcações às plataformas marítimas, importantes instrumentos do desenvolvimento econômico.

Restituição de tributo pode ser feita em 10 anos

Com o voto do ministro Luiz Fux na quinta-feira (4/8), o Plenário do Supremo Tribunal Federal manteve a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu ser de dez anos o prazo para pleitear a restituição, cuidando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação. Foram seis votos favoráveis à manutenção do entendimento da corte federal e quatro contrários.

O RE discutia a constitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da Lei Complementar 118/2005, que determinou a aplicação retroativa do seu artigo 3º — norma que, ao interpretar o artigo 168, I, do Código Tributário Nacional (CTN), fixou em cinco anos, desde o pagamento indevido, o prazo para o contribuinte buscar a repetição de indébitos tributários (restituição) relativamente a tributos sujeitos a lançamento por homologação.

No início do julgamento, em maio de 2010, cinco ministros — Ellen Gracie (relatora), Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso –, manifestaram-se pela inconstitucionalidade do dispositivo da LC 118, por violação à segurança jurídica. O entendimento foi o de que a norma teria se sobreposto, de forma retroativa, à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que consolidou interpretação no sentido de que o prazo seria de dez anos contados do fato gerador.

Ainda na ocasião, ao analisar o artigo 3º da LC 118/2005, a ministra Ellen Gracie entendeu que o dispositivo não teria caráter meramente interpretativo, pois traria inovação ao mundo jurídico, reduzindo o prazo de dez anos consolidado pela jurisprudência do STJ.

O julgamento foi interrompido, em março de 2010, por um pedido de vista do ministro Eros Grau. Seu sucessor, o ministro Luiz Fux, apresentou hoje seu voto vista, também pelo desprovimento do recurso. Ele concordou com a relatora, no sentido de que a LC 118 não é uma norma interpretativa, pois cria um direito novo, no interesse da Fazenda.
A chamada tese dos "cinco mais cinco", firmada pelo STJ, decorreu da aplicação combinada dos artigos 150, parágrafos 1º e 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. De acordo com interpretação de tais artigos, o contribuinte tinha o prazo de cinco anos para solicitar a restituição de valores, contados do decurso do prazo para homologação, também de cinco anos, mas contados do fato gerador. Com isso, na prática, nos casos de homologação tácita, o prazo era de dez anos contados do fato gerador.

No início do julgamento divergiram da relatora os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Gilmar Mendes. De acordo com o ministro Marco Aurélio, a Lei Complementar 118/05 apenas interpreta a regra que já valia — ou seja, a reclamação dos valores pagos indevidamente deve ser feita no prazo de cinco anos segundo o que estaria previsto desde 1966, no CTN. Com informações da 

Assessoria de Imprensa do STF.
RE 566621

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A PUBLICIDADE E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Por Leon Frejda Szklarowsky (com adaptações)

Considerações Iniciais

A publicidade, com fonte no Documento Constitucional, é um princípio de fundamental importância no Direito Administrativo, calcada na moralidade administrativa, e é requisito de eficácia, eis por que, na expressão de Hely Lopes Meirelles, pela publicação, os atos irregulares não são convalidados, nem os regulares a dispensam.

Em regra, todos os atos administrativos são publicados, exceto os que a lei ou o regulamento eximem dessa imposição, em razão de segurança nacional, investigação criminal ou interesse público, o que exige prévia declaração e motivação em processo regular.
O Documento Maior restringe a publicidade dos atos processuais, quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5o , LX); para a retificação de dados, quando não prefira o súdito fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Distingue o inciso XXXIII o direito de qualquer pessoa receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral; contudo, impede aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança do Estado ou à sociedade.

Sérgio de Andréa Ferreira também enfatiza que a Constituição não pode afastar-se da determinação do sigilo, por razões de segurança do Estado , por exigência do interesse público ou de segurança da sociedade , ou , na expressão do autor, a velha segurança nacional.

No âmbito federal, o Decreto no 79.099, de 6 de janeiro de l977, regula a matéria. Assunto sigiloso é o que, por sua natureza, deva ser do conhecimento restrito, inacessível ao público, com medidas especiais para sua segurança.

A obrigatoriedade da publicação dos atos administrativos surgiu, pela vez primeira, com a edição do Decreto no 572, de 12 de julho de 1890.

A publicidade objetiva dar transparência aos atos da Administração e garantir seus efeitos externos, permitindo ao súdito tomar ciência dos mesmos e exercer o controle ou a fiscalização, utilizando-se dos instrumentos constitucionais, indicados no artigo 5°.
Essas garantias e direitos fundamentais têm aplicação imediata e não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais de que o País faça parte ( §§ 1° e 2° ).

Os atos administrativos e, também, os contratos administrativos, para produzirem efeitos jurídicos e regulares, devem ser dados à publicidade . Sua omissão poderá acarretar a invalidação e, por via de consequência, os prazos não fluem e esses atos e contratos não terão eficácia, isto é, não produzirão efeitos.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello considera a publicação ou a comunicação condição de eficácia ou validade do ato e Marcelo Caetano , ao estudar, com notável precisão, os atos administrativos, assegura que estes só passam a ter eficácia , isto é, a produzir efeitos, após sua publicação, quando exigida por lei.

A publicação efetuar-se-á, obrigatoriamente, no órgão oficial da Administração, entendendo-se esse como sendo o diário oficial do ente público respectivo ou o jornal contratado para esse fim específico , devidamente autorizado por ato legal, ou, pela afixação dos atos em quadro de aviso de amplo acesso público ( art. 16 da Lei no 8 666, de 1993, com a redação dada pela Lei no 8 883, de 1994 ).

Os atos e leis municipais poderão ser afixados na sede da Prefeitura ou da Câmara Municipal , se não houver órgão oficial, de conformidade com a respectiva Lei Orgânica.

Publicação dos contratos administrativos

A Lei no 8 666, de 21 de junho de 1993, erige como condição indispensável , para a eficácia dos contratos administrativos, a publicação resumida dos seus instrumentos ou de seus aditamentos, na imprensa oficial, como definida, no inciso XIII do artigo 6°, com a nova redação que lhe deram as medidas provisórias, sucedidas pela Lei no 8 883, de 1 994, tornando-a mais precisa e enriquecida com novas modalidades de publicidade: em caráter excepcional, a afixação, em quadro de avisos de amplo acesso público, de atos que devam ser divulgados, ou a audiência pública obrigatória, sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a cem vezes o limite previsto mo artigo 23, alínea a.

A Carta Maior de 1967 aboliu o registro prévio de contratos nos Tribunais de Contas, como condição, para torná-los perfeitos, como previa a Constituição de 1946. A Constituição de 1988 outorgou-lhes competência para representar ao Poder competente acerca de irregularidades ou abusos apurados e o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo, as providências cabíveis. A impugnação do contrato far-se-á, a posteriori.

A minuta do futuro contrato, ou seja, o seu esboço, deve ser elaborada, na fase da licitação, acompanhando obrigatoriamente o instrumento convocatório, dando-se-lhe a devida publicidade. Esse documento deverá ser previamente examinado e aprovado pela assessoria jurídica da Administração, o mesmo ocorrendo com as minutas de convênios, acordos ou ajustes.

Prazo para providências e publicação
Trata-se, in casu, de formalidade essencial - condição indispensável para sua eficácia - a ser providenciada pela Administração, até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua publicação, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data.

A Lei no 8 883, de 1994, alterou o presente dispositivo, tornando mais elástico o prazo. A redação originária, idêntica à da lei anterior, neste particular, mandava que a Administração providenciasse a publicação na mesma data de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias.

Ora, esse prazo era insuficiente para as providências normais e concretização de sua publicação, especialmente nos Municípios remotos ou em centros altamente movimentados. O legislador, então, houve por bem de atender as sugestões e os clamores de vastos setores da sociedade.

Para contornar essa dificuldade, o citado diploma legal autorizou a Administração a providenciar a publicação ( medidas burocráticas de praxe ), não mais na mesma data, como absurdamente exigia, senão até o quinto dia útil do mês seguinte ao da assinatura do contrato.

E a publicação deverá ocorrer, no prazo de vinte dias daquela data, ou seja, do quinto dia útil do mês seguinte ao da sua assinatura. Na contagem dos prazos, exclui-se o dia do início e inclui-se odo vencimento, considerando-se os dias consecutivos, a não ser que haja dispositivo legal em sentido contrário, e só se iniciam e vencem em dia de expediente na entidade ou no órgão.

Assim, suponhamos que o contrato tenha sido assinado no dia 4 de março de 1996. A Administração terá o prazo, para providenciar sua publicação, até o quinto dia útil de abril, ou seja, até o dia 9 deste mês, e sua publicação deverá ocorrer, nos vinte dias desta última data.


Vigência dos contratos administrativos

A publicação do contrato torna-o o eficaz, mas a vigência se dá a partir de sua assinatura e qualquer alteração só poderá ser feita, segundo os pressupostos da lei, não se admitindo atribuir efeitos financeiros retroativamente, salvo as exceções legais.

Conquanto a expressa vedação de efeitos financeiros, constante do artigo 61 (antigo artigo 51, § 2o ), tenha sido vetada e as razões da Advocacia - Geral da União nenhuma referência faça a esse fato, esta proibição decorre do sistema jurídico - financeiro, não se permitindo abranja dispêndios financeiros, de data anterior, ainda que se refiram à própria obra, compra ou serviço, ao qual esteja relacionado o contrato.

A Corte de Contas da União, interpretando, com extrema precisão, a legislação vigente, ordenou atentar-se para a obrigatoriedade legal de não ser inscrito em " restos a pagar " o saldo de empenho por estimativa" e que os contratos sejam elaborados, em conformidade com a legislação em vigor, especialmente no que diz respeito à vigência de seus aditamentos e ao prazo, evitando sua retroatividade.

Tomadas as providências legais e publicado o extrato do contrato ou de seu aditamento, no prazo legal, seus efeitos retroagem, à data da sua assinatura, como corolário do prazo que a lei concede ao administrador, para providenciar e publicar o documento.

Essa situação assemelha-se à prenotação do título, pelo oficial do registro. O artigo 534 do Código Civil assinala que a transcrição do imóvel se dará desde o dia em que aquele foi apresentado, ao oficial de registro, e este o prenotou. A Lei de Registros Públicos dispõe no mesmo sentido.


Omissão da Administração

E se a Administração omitir-se?

A omissão impede a produção de efeitos jurídicos. O ato ( ou o contrato) é ineficaz. Só valerá perante as partes e terceiros, após realizar-se a condição necessária, que é a divulgação pelos meios próprios, pois, como bem alerta Hely Lopes Meirelles, é " requisito de eficácia". É a eficácia contida.

Se, porém, apesar disso, estiver sendo executado ou tiver sido executado, é fora de dúvida de que a contratada deverá ser indenizada pelo que houver realizado e pelos prejuízos regularmente comprovados, notadamente porque cabe à Administração providenciar sua publicação, não cabendo àquela responsabilidade, pela omissão ou retardamento da prática desse ato, e o servidor deverá ser responsabilizado.

O servidor, que praticar ato em desacordo com esta lei, sofrerá as sanções previstas neste diploma legal e nos regulamentos próprios, independentemente da responsabilidade civil e criminal.

E, assim é porque, se a declaração de nulidade do contrato não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado, desde que lhe não seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa, também na hipótese estudada, o mesmo princípio tem plena aplicação, porque se trata não de simples irregularidade, senão de frontal violação de lei.

É o que ocorre, em situação semelhante, quando a rescisão do contrato se der, sem culpa do contratado, hipótese em que este terá direito ao pagamento pelo que tiver executado, até aquela data, e será ressarcido dos prejuízos regularmente comprovados.

Marçal Justem assegura que sua não publicação ou seu retardamento não vicia a contratação nem cinde o vínculo, mas posterga o início da contagem dos prazos contratuais e provoca a responsabilização do agente público, regularizando-se o contrato com a simples publicação.

Em acórdão da 1a Câmara publicado no DOU de 26 de março de 1991, à página 5483, o Tribunal de Contas da União, em face da não publicação de extrato de contrato, recomendou o saneamento dessa irregularidade.

Na esfera federal, o § 3o do art.33 do citado Decreto no 93 872, de 23 de dezembro de 1986, apregoa que a falta de publicação imputável à Administração constitui omissão do dever funcional do responsável, que será punido na forma legal, se não for demonstrada justa causa. Por outro lado, se o contratado tiver dado causa ao fato, a contratante poderá rescindir o contrato unilateralmente sem direito á indenização, podendo esta optar por aplicar-lhe multa de até dez por cento do valor do contrato, que deverá obrigatoriamente ser publicado.



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A CONTRATAÇÃO SEM LICITAÇÃO DE SUBSIDIÁRIAS E CONTROLADAS E A JURISPRUDÊNCIA DO TCU

1. Introdução


A Lei 8.666/93 estabelece, no art. 24, inc. XXIII, hipótese de dispensa de licitação no caso de contratação "realizada por empresa pública ou sociedade de economia mista com suas subsidiárias e controladas". Nos termos da referida norma, a contratação direta destina-se à "aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços" e está condicionada à circunstância de o preço contratado ser compatível com o praticado no mercado.
Recentemente, foi editada pelo Tribunal de Contas da União - TCU a Súmula nº 265, que trata justamente do referido caso de contratação direta. O exame do conteúdo da referida súmula é relevante para delimitar a hipótese de dispensa prevista no dispositivo legal.
2. O teor da Súmula nº 265 do TCU
Conforme a Súmula aprovada pelo TCU, "A contratação de subsidiárias e controladas com fulcro no art. 24, inciso XXIII, da Lei nº 8.666/93 somente é admitida nas hipóteses em que houver, simultaneamente, compatibilidade com os preços de mercado e pertinência entre o serviço a ser prestado ou os bens a serem alienados ou adquiridos e o objeto social das mencionadas entidades" (DOU 17.6.2011, p. 143).
A súmula reflete o entendimento adotado pelo TCU em diversos precedentes. Dentre estes, podem ser citados o Acórdão 3219/2010-Plenário (DOU de 14.12.2010), o Acórdão 2635/2010-Plenário (DOU de 11.12.2007), o Acórdão 2436/2007-Segunda Câmara (DOU de 13.09.2007), o Acórdão 1705/2007-Plenário (DOU de 29.08.2007), o Acórdão 0267/2007-Plenário (DOU de 09.03.2007), o Acórdão 127/2007-Segunda Câmara (DOU de 15.02.2007), o Acórdão 2254/2005-Plenário (DOU de 03.01.2006) e a Decisão 645/2002-Plenário (DOU de 08.07.2002).
A amplitude temporal dos precedentes referidos na edição da súmula demonstra que a questão era há muito pacífica no âmbito do TCU. De qualquer modo, a recente edição da súmula permite algumas reflexões a respeito da regra legal interpretada pelo Tribunal de Contas.
3. O exame do conteúdo da Súmula


Mesmo o exame superficial da Súmula permite verificar que, além do requisito de que os preços dos serviços ou produtos objeto da contratação direta sejam compatíveis com os praticados no mercado, deve haver também pertinência dos serviços e produtos com o objeto social da sociedade subsidiária e controlada.
Trata-se de requisito que já era objeto de ressalvas por parte de MARÇAL JUSTEN FILHO, que aponta que "Ademais disso, tem de aplicar-se a propósito do inc. XXIV as mesmas exigências de pertinência invocadas a propósito do inc. XIII. Não se pode admitir que a exigência de licitação seja frustrada por meio do expediente de valer-se de entidades intermediadoras. Por exemplo, não se admite que uma sociedade controlada, cujo objeto é o desempenho de atividade industrial, seja contratada sem licitação para fornecer mão-de-obra em favor da sua controladora" (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14ª ed., 2010, p. 344).
Note-se que a Súmula retrata entendimento do TCU no sentido de que os requisitos devem estar presentes de forma simultânea. Ou seja, além da economicidade na contratação a ser feita pela sociedade de economia mista ou empresa pública junto a sua subsidiária ou controlada, é essencial que esta última tenha objeto social compatível com o produto ou serviço a ser fornecido.
Tal entendimento reconhece o potencial para burlar o dever de licitação derivado da aplicação indiscriminada da regra. A vedação a que a empresa subsidiária ou controlada possa ser contratada para fornecer produtos e serviços alheios ao seu objeto social busca evitar que as sociedades de economia mista ou empresas públicas passem a prover todas as suas necessidades mediante contratação direta de empresas subsidiárias ou controladas.
A exigência de que a contratação sem licitação tenha relação de pertinência direta com a atividade da entidade subsidiária ou controlada pode ser examinada sob três ângulos diversos.
Primeiro, não basta qualquer participação de sociedade de economia mista ou empresa pública em determinada entidade para que ela possa ser considerada subsidiária. Imagine-se a hipótese de determinada sociedade de economia mista deter participação acionária mínima ou irrelevante em determinada sociedade. É evidente que, nesses casos (e ressalvando-se hipóteses excepcionais, em que haja algum tipo de acordo de acionistas ou partilha peculiar do controle societário) não se pode considerar que a referida sociedade seja efetivamente uma entidade subsidiária da sociedade de economia mista. A rigor, não cabe a aplicação da regra de dispensa de licitação prevista no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93.
Em outras palavras, a regra não pode ser utilizada para se burlar a exigência de licitação.
Em segundo lugar, conforme decidido pelo TCU no Acórdão 2436/2007 - Segunda Câmara, "Somente controladoras podem contratar diretamente suas controladas ou subsidiárias com base no inciso XXIII da Lei nº 8.666/1993, não sendo possível a contratação de uma subsidiária ou controlada por outra".
Enfim, não há como haver dispensa de licitação entre empresas subsidiárias, mas apenas entre estas e sua controladora.
Em terceiro lugar, no caso da dispensa prevista no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93, não cabe a subcontratação por parte da subsidiária do objeto contratado sem licitação. Não é cabível que o objeto contratado seja integral ou significativamente (sub)contratado pela subsidiária ou controlada junto a terceiros. Nesse caso, haveria evidente violação do dever de realizar o processo licitatório, por meio da inclusão de entidade subsidiária ou controlada como intermediária.
Nos precedentes que embasaram a edição da Súmula nº 265, a questão foi expressamente enfrentada. No Acórdão 1705/2007 - Plenário, indicou-se que "a jurisprudência deste Tribunal já se firmou no sentido de ser indevida a subcontratação da execução do objeto nos casos de dispensa de licitação em que a identidade do contratado é a razão que fundamenta sua escolha para celebrar o contrato. As seguintes deliberações exemplificam esse entendimento: Decisão 881/97-Plenário, Acórdão 14/2002-Plenário, Acórdão 19/2002-Plenário, Acórdão 627/2002-Plenário, Acórdão 392/2003 - Plenário, Acórdão 839/2004-Plenário, Acórdão 869/2006-Plenário, Acórdão 994/2006-Plenário". Reconheceu-se que "No caso da contratação direta prevista no art. 24, inciso XXIII, da Lei 8.666/93, é justamente a condição de subsidiaria ou controlada de empresa pública ou sociedade de economia mista que autoriza a dispensa do procedimento licitatório. Ou seja, é a identidade do contratado que motiva sua escolha para celebrar o contrato com a Administração sem o procedimento licitatório. Portanto, não é cabível que a entidade escolhida efetue a subcontratação da execução do objeto com terceiros".
Mais recentemente, o TCU reafirmou esse entendimento, indicando que "a hipótese de subcontratação prescrita no art. 72 da Lei nº 8.666/93 não se aplica aos casos de contrato por dispensa de licitação firmado em função da pessoa do contratado (...), exceto em situações concretas excepcionalíssimas, supervenientes ao contrato, nas hipóteses em que a rescisão contratual e a realização de nova contratação forem comprovadamente contrárias ao interesse público subjacente ao contrato, ante o disposto no item 8.2.5 da Decisão nº 645/2002-TCU-Plenário" (Acórdão 3219/2010 - Plenário).
Por fim, ressalte-se que aferição concreta da presença de ambos os requisitos para a contratação direta com fundamento no art. 24, inc. XXIII, da Lei nº 8.666/93 deve ser feita em processo administrativo específico, na forma estabelecida pelo art. 26.
4. Considerações finais

Portanto, o entendimento retratado pela Súmula nº 265 do TCU não trouxe grandes inovações a respeito da interpretação e aplicação do contido no art. 24, inc. XXIII, da Lei 8.666/93. Como visto, os requisitos por ela explicitados para esse tipo de contratação vêm sendo reafirmados pelo TCU há muitos anos.
Em qualquer caso, a sua consagração por meio de súmula específica é apta a fornecer orientação mais segura na atuação de empresas estatais, especialmente no relacionamento com suas empresas subsidiárias e controladas, na medida em que consagra de forma expressa o que vinha sendo afirmado de forma esparsa em diversas decisões ao longo do tempo.



Informação bibliográfica do texto:


CARDOSO, André Guskow. A contratação sem licitação de subsidiárias e controladas e a jurisprudência do TCU. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n.º 53, jul./2011, disponível em http://www.justen.com.br//informativo.php?informativo=53&artigo=550, acesso em 01/08/2011.

terça-feira, 29 de março de 2011

Norma antielisiva divide opiniões de tributaristas

Por Alessandro Cristo.

Se o fisco tem reduzido o espaço para manobras das empresas no que se refere a planejamento tributário, o mau uso da legislação é o responsável, de acordo com advogados. Segundo alguns deles, a ideia de uma norma regulamentadora antielisiva, antes repudiada, pode vir a ser uma proteção contra abusos, ao substituir a subjetividade das fiscalizações por regras claras. Outros consideram que uma norma semelhante seria inconstitucional, já que proibir empresas de usar estratégias lícitas com o intuito de reduzir tributos violaria a livre iniciativa.

O assunto gerou debate na 10ª Conferência Anual sobre Planejamento Tributário, organizada pela International Business Communications, que reúne tributaristas de todo o país nestas terça e quarta-feiras (22 e 23 de março), em São Paulo. Nesta terça, o evento teve a participação do ex-secretário adjunto da Receita Federal, Marcus Vinícius Neder, que hoje é sócio do escritório Trech, Rossi e Watanabe Advogados, mas já esteve do outro lado do balcão. Neder foi o principal articulador do fisco por uma nova norma antielisiva, que regulamentasse o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional. Hoje, o dispositivo é a única regra à qual a Receita Federal se apega para multar em até 150% dos valores devidos companhias que dissimulem fatos geradores de tributação via elisão fiscal.
De acordo com o advogado Rubens Velloza, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm Advogados Associados, a falta de precisão da legislação é uma das causas do grande número de autuações por planejamento tributário, o que tem gerado custo para as empresas. Em todos os casos envolvendo planejamento tributário desde 2003, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal confirmou as autuações, segundo outro tributarista, o advogado Paulo César Vaz, do Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli Advogados.
Velloza citou o caso de subsidiárias no Brasil de empresas estrangeiras, que além de terem de se defender administrativamente das multas, têm ainda o trabalho de reportar às matrizes detalhes das autuações, que por si sós já trazem a pecha de irregularidade. "As decisões do Carf são muito díspares devido à legislação mal-feita", completou.

Diz o parágrafo único do artigo 116 do CTN que a autoridade administrativa poderá cobrar os tributos não pagos sobre operações ocultas por negócios jurídicos simulados. Segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, o ato continua a valer no mundo jurídico, já que só o Judiciário poderia desconstituir um negócio, mas o fisco cobra o valor correspondente à real operação.
O problema é que o conceito de dissimulação tem sido usado para identificar toda e qualquer forma de elisão, mesmo as legítimas, segundo advogados. O Direito Civil — de onde o CTN importou a interpretação econômica de desconstituição de atos considerados nulos — prevê outros vícios possíveis nos atos societários, como o abuso de forma, o abuso de direito e a fraude à lei, "inaplicáveis ao Direito Tributário", segundo afirma Santiago. Como apenas a dissimulação foi transposta para o Direito Tributário, os fiscais param no impasse: ou enquadram tudo nessa condição, ou não têm como autuar. A praxe, criticada pelos tributaristas, é levar a subjetividade ao limite extremo para classificar todas as estratégias como simulação.

"A motivação de reduzir tributos a pagar não é o que torna o planejamento ilícito, mas sim o caminho usado", define Igor Mauler Santiago. Ele citou como exemplo a compra de títulos de CDB por empresas com créditos tributários acumulados. O procedimento, lícito segundo o advogado, consiste na compra de CDBs por empresas com créditos tributários cujo ressarcimento pela Receita demora, ou cujos débitos são menores que os créditos. A empresa então compra títulos prestes a vencer, tornando-se devedora do respectivo Imposto de Renda da operação. O IR devido é pago, via compensação, com os créditos tributários, e o valor dos CDBs é resgatado em dinheiro. A prática já foi condenada uma vez no Carf. "Não é sequer elisão, porque não há economia de tributo", defende Santiago.
O advogado discorda da necessidade de uma norma geral antielisiva. "É desnecessária, já que 80% das autuações são contra simulação, tipificada no CTN." Segundo ele, o uso do conceito para quase todos os casos é inconstitucional. "A tributação por analogia ofende a legalidade estrita, a segurança jurídica, a livre iniciativa e mesmo a separação dos Poderes, porque o administrador e o juiz arrogam função que somente o legislador pode exercer: a definição sobre a conveniência e a oportunidade das condutas do particular", diz o advogado. "Onde não há simulação ou outra ilicitude, o propósito de economizar tributo é licito." De acordo com ele, antes de pensar em uma nova norma, o fisco deveria esperar a jurisprudência se firmar nos tribunais superiores.

Segundo o ex-secretário adjunto da Receita Federal e sócio do Trech, Rossi e Watanabe, Marcus Vinícius Neder, ainda não há nenhum projeto de lei em andamento no Congresso, embora as discussões já aconteçam desde o ano passado. Ele concordou que a maior parte das autuações classifica os planejamentos como simulação, mas a quantidade de casos tem aumentado, e o Carf tem confirmado os lançamentos.
"Antes, as únicas punições eram em situações de pessoa interposta ou contratos de gaveta, até que a interpretação do artigo 149 do CTN passou a ser mais ampla", diz. Ele se referiu ao enquadramento das chamadas operações "casa e separa", segundo as quais, para escapar da tributação sobre a venda de um ativo, uma empresa compradora se torna sócia da vendedora temporariamente, por meio de um aporte de capital. No entanto, deixa a sociedade pouco tempo depois, levando o ativo, em vez do dinheiro.

Embora reconheça o subjetivismo das avaliações da Receita Federal quanto a negócios societários, ele afirmou que as multas têm sido aplicadas muito mais devido às provas colhidas do que pela interpretação teórica das possibilidades de enquadramento. O advogado Alexandre Nishioka, conselheiro do Carf e sócio do Wald e Associados Advogados, concorda. "O critério de análise é se o ato jurídico gerou atividade empresarial ou apenas uma 'casca' de sociedade", diz. No critério de prevalência, a substância supera a forma. No entanto, segundo Neder, a discussão ainda não chegou aos tribunais regionais federais.
Para Rubens Velloza, as decisões do Carf têm se alinhado a favor do fisco, mas o Judiciário deve corrigir as distorções. "A Receita não pode interpretar o propósito do negócio. Se, em vez de cobrar o aluguel como pessoa física, eu crio uma empresa para receber os valores, o intuito é claramente o de pagar menos tributo, e isso não é ilegal", afirma

segunda-feira, 28 de março de 2011

Fux não encontrou argumento para manter Ficha Limpa.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, não aceita ser responsabilizado pelo voto que anulou a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Juiz de carreira, disse que procurou argumentos jurídicos para tentar validar a regra na última eleição, mas não encontrou. "Debaixo da toga de um magistrado também bate um coração", disse, ao explicar que tenta equilibrar "razão e sensibilidade". A entrevista foi feita pelos jornalistas Vera Magalhães e Márcio Falcão do jornal Folha de S. Paulo.
Fux disse que ficou bastante nervoso e ansioso para julgar se a lei da Ficha Limpa poderia retroagir. Para ele, não há como ignorar o que diz a Constituição Federal. "O artigo 16 diz que a lei que altera o processo eleitoral não se aplica na eleição que ocorra até um ano de sua vigência", completou. [Foto: à direita, o ministro Luiz Fux, no plenário do Supremo Tribunal Federal]
Veja abaixo a entrevista:
Folha — Como o sr. se sentiu desempatando uma questão tão controversa como a da validade da Lei da Ficha Limpa em 2010?

Luiz Fux — Eu não desempatei nada. Apenas aderi à posição majoritária do Supremo, que era no sentido de não permitir que a lei valesse para as eleições do mesmo ano. Os votos foram de acordo com o artigo 16 da Constituição, que é um artigo de uma clareza meridiana. Uma coisa tão simples que às vezes um leigo sozinho, lendo o dispositivo, vai chegar à mesma conclusão que eu. O artigo 16 diz que a lei que altera o processo eleitoral não se aplica na eleição que ocorra até um ano de sua vigência.
Folha — Como corte constitucional, o STF deve fazer distinção entre o que deve prevalecer: os direitos individuais ou os direitos da sociedade?

Luiz Fux — A Constituição não legitima julgamentos subjetivos. Senão, partimos para aquela máxima de "cada cabeça, uma sentença", e não vamos ter uma definição do que é lícito e o que é ilícito. A população só tem segurança jurídica a partir do momento em que o magistrado se baseia ou na lei ou na Constituição. A interpretação só se opera quando há uma dubiedade.
Folha — Alguns ministros apontaram inconsistências na Ficha Limpa. O sr. acha que, no futuro, o STF pode derrubá-la?

Luiz Fux — Nós julgamos a questão do artigo 16, que tornou absolutamente indiferente a análise das demais questões. Não houve ninguém que tivesse declarado a lei inconstitucional. Por isso afirmei que fiquei impressionado com os propósitos da lei, fiquei empenhado em tentar construir uma solução. Tanto que não consegui dormir, acordei às 3h e levei seis horas para montar o voto. A partir do julgamento, a única conclusão a que se pode chegar é que ela se aplica a partir de 2012.
Folha — Mas quando o ministro Cezar Peluso diz que nem as ditaduras ousaram fazer uma lei retroagir para punir crimes, ele não está dando mote para que a lei seja questionada?

Luiz Fux — Uma coisa é a anterioridade, prevista no artigo 16, e outra é você falar em retroatividade. Às vezes há um impulso de se confundir as coisas. Se a lei pode ser aplicada aos crimes anteriores não foi objeto de debate. Acredito que isso foi uma manifestação isolada diante do clima que se criou diante da judicialidade do argumento.
Folha — Mas pessoalmente o sr. vê problema nisso?

Luiz Fux — Hoje não. Mais tarde poderão surgir novas demandas? Poderão. Até por isso não posso me pronunciar agora, mas eu digo que a lei vale para 2012. A Lei da Ficha Limpa é movida pelo melhor propósito de purificação da vida democrática. Acho a opinião pública muito importante, mas, para nós, a Constituição é um santuário sagrado.
Folha — O Judiciário não demora demais em responder a essas demandas?

Luiz Fux — Entra em cena outra questão, que é a judicialização da política. Aqui não há a judicialização da política: há a politização de questões levadas ao Judiciário. Por que não resolveram isso lá entre as próprias instituições? Como a Constituição garante que todo cidadão lesado pode entrar na Justiça, todos os que se sentiram prejudicados pela lei entraram em juízo. Passam pela primeira instância, TRE, TSE e ainda cabe recurso ao STF. Sou defensor da eliminação do número de recursos. É preciso que a população se satisfaça.
Folha — O sr. pode ficar quase 13 anos no STF. Pretende sair antes?

Luiz Fux — Aí a gente vai ter que valer da frase de que o futuro a Deus pertence. Acho que é uma ideia legítima você contribuir com seu país por dez anos e depois você permitir que outros possam ocupar.
Folha — A divisão desse julgamento tende a se repetir?

Luiz Fux — Mesmo os magistrados mais experientes têm um grau de intelectualidade muito avançado, não merecem a pecha de conservadores. O voto do ministro Gilmar Mendes é baseado em doutrinas recentes. Não tem grupo nem deve se imaginar isso. Até porque o STF visa a fazer Justiça à luz da lei e da Constituição. Não é um tribunal de justiçamento.
Folha — O STF tem pela frente casos polêmicos, como a extradição de Cesare Battisti. Qual sua posição sobre o caso?

Luiz Fux — Uma tese sub judice não pode ser adiantada sob pena de criar um paradoxo e eu ficar impedido de julgar.
Folha — A extradição virou disputa entre a questão política e o entendimento do tribunal?

Luiz Fux — A questão que se vai colocar é: se o ato do presidente é vinculado à decisão do Supremo ou é um ato discricionário. Tem sistemas jurídicos de todos os gostos. Tem o que avalia apenas se estão presentes as condições de extradição. A discussão é saber qual é o sistema brasileiro. É aquele que entende que o Judiciário só avalia e tem que cumprir, ou o Judiciário é impositivo, e cabe apenas ao presidente cumprir? Vai depender do teor da decisão
Folha — Há na pauta outros casos de repercussão social, como a união homoafetiva. Como o sr. se posiciona nesses casos?

Luiz Fux — No Supremo, você aplica regra bíblica de a cada dia uma agonia. Por exemplo, a Lei da Ficha Limpa foi incluída na sexta à noite na pauta. Essas coisas são divulgadas muito em cima da hora.
Folha — Mas o sr. nesse ponto também pretende ser estritamente técnico?

Luiz Fux — Julgo sempre segundo minha consciência, e acho que estou fazendo o melhor. Sou humano. Se errar, vou errar pelo entendimento. Sou sensível aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Folha — Outra polêmica posta é sobre os limites do CNJ. O sr. acha que o ministro Peluso adotou uma postura mais corporativista que a anterior?

Luiz Fux — O ministro Peluso é um juiz de carreira que exerce a presidência. E não tem a história de um homem corporativista. Ele só não vai permitir a condenação de uma pessoa em bases infundadas.
Qual o sr. acha que deve ser o limite de atuação do CNJ?

Luiz Fux — O CNJ foi uma grande inovação quanto ao controle externo, mas tem tido questionamentos quanto à atuação, de desvios da função. É o que temos de analisar.
Folha — Neste ano ou no próximo os srs. vão se deparar com o maior julgamento da história do STF, que é o do mensalão. O sr. acha que o Supremo é a corte adequada para julgar questões penais?

Luiz Fux — Juiz tem de julgar de tudo. Outro questionamento, o da prerrogativa de foro, tem um pressuposto correto, porque o ente público, dependendo da função que exerça, está sempre sendo questionado. Não seria razoável ele ser julgado cada hora num lugar.
Folha — Mas existe o outro lado dessa questão, que é o fato de o Supremo demorar demais para se manifestar em questões penais. Até hoje há apenas três casos de condenação.

Luiz Fux — Isso é uma realidade inafastável. Mas hoje o fato de você ter juízes para produzir provas, fazer a oitiva de testemunhas, agiliza muito. Pelo tamanho do processo, o ministro Joaquim Barbosa está tendo uma presteza enorme.
Folha — Em 2007, quando o STF decidiu receber a denúncia do mensalão, o ministro Ricardo Lewandowski fez um desabafo dizendo que a corte julgou "com a faca no pescoço". No julgamento, a pressão deve voltar. Como equilibrar isso?

Luiz Fux — Acha que eu não julguei a Ficha Limpa com a faca no pescoço? Acho que os ministros vão se equilibrar no fio dessa navalha no seguinte sentido: o processo penal determina que seja apurada a autoria e a materialidade. Esse é o papel do STF. Discussão política é inaceitável.